Análise psicanalítica da animação "Coraline e o mundo secreto."
- Gisele Chiappim Psicóloga
- 14 de abr.
- 2 min de leitura

A animação “Coraline e o Mundo Secreto” (Coraline, 2009), baseada no livro de Neil Gaiman, é um verdadeiro prato cheio para a psicanálise. A história, envolta em uma atmosfera sombria e simbólica, representa muito mais do que uma aventura infantil — ela fala sobre desejo, angústia, desenvolvimento psicossexual, narcisismo, separação e amadurecimento do ego.
O desejo inconsciente e a fantasia de completude
Coraline é uma criança solitária, entediada, negligenciada pelos pais ocupados. Ao descobrir uma porta secreta, ela encontra um “mundo ideal”, onde tudo parece perfeito — a “Outra Mãe” é atenciosa, divertida e faz exatamente o que Coraline quer.
Esse “outro mundo” representa uma realização simbólica dos desejos inconscientes infantis de completude e fusão com o objeto materno idealizado.
Essa fantasia remete à posição esquizoparanóide de Melanie Klein, em que a criança ainda divide a mãe entre “boa” e “má”, e deseja possuir a mãe toda boa — sem frustrações.
O botão no lugar dos olhos: a castração simbólica
A proposta da Outra Mãe para que Coraline costure botões no lugar dos olhos é extremamente significativa. Olhos representam percepção, subjetividade e consciência. Substituí-los por botões simboliza a perda do eu, da autonomia psíquica, e da identidade própria. É uma ameaça de castração simbólica no sentido freudiano — o sujeito deixa de ver, sentir e existir como sujeito para se tornar apenas objeto do desejo do outro (a "mãe devoradora").
A "Outra Mãe": a mãe devoradora (complexo materno negativo)
A Outra Mãe é sedutora, mas se revela invasiva, manipuladora e controladora. Representa a figura materna arcaica do inconsciente — aquela que não admite separação, que engole o sujeito psíquico e nega a autonomia. É a mãe fálica que tudo oferece, mas que exige submissão total em troca. Do ponto de vista Junguiano, ela simboliza a sombra materna — a face inconsciente e sombria da relação mãe-filha.
Processo de separação e individuação
Coraline, ao enfrentar seus medos e recusar a tentação do “mundo ideal”, dá um passo importante em direção à autonomia psíquica. Ela reconhece a imperfeição do mundo real e aceita a frustração como parte do crescimento. Esse é o movimento do ego em direção à diferenciação e amadurecimento — a travessia da fantasia para a realidade.
Duplos e espelhos: o inconsciente projetado
O “outro mundo” funciona como um espelho psíquico do inconsciente de Coraline. Lá, todos os personagens têm versões “melhoradas” — mas são falsas, projetadas, superficiais. Isso representa a idealização narcisista da infância, mas também a necessidade de integrar essas imagens para amadurecer.
“Coraline” é uma jornada de individuação. A personagem sai da fantasia regressiva e entra no campo da realidade simbólica, compreendendo que a vida real, embora frustrante, é o único lugar onde o sujeito pode existir plenamente.
Ela rejeita a onipotência da fantasia e aceita a separação como condição do amor verdadeiro. Na linguagem psicanalítica: ela se afasta do narcisismo primário e caminha rumo à constituição de um ego mais estável e realista.
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