Há anos, os turistas vêm a Puyé, uma grande mesa poeirenta no "fim do mundo", no Novo México. A estrada que sobe até Puyé foi construída para os cascos de cavalos. Com o tempo, no entanto, os automóveis foram ficando mais potentes, e agora tanto os habitantes do local quanto os turistas chegam em todo tipo de carro, Todos estacionam de qualquer jeito, no terreno irregular. Antes do meio-dia, a borda da mesa dá a impressão de um engavetamento de mil carros. Há quem estacione bem junto a pés de malva-rosa de um metro e oitenta de altura, pensando que basta afastar os galhos da planta para sair do carro. Só que esses pés de malva-rosa são centenários e parecem feitos de ferro. Quem estaciona junto a eles fica preso dentro do carro.
Antes mesmo do meio-dia, o sol é uma fornalha acesa. Todos caminham pesadamente com sapatos que queimam os pés. Os turistas vêm com todo tipo de expectativa, desde as sagradas até as profanas. Vêm ver algo que nem todos conseguirão ver: a Mulher borboleta.
O último evento é a Dança da Borboleta. Todos aguardam com imenso prazer a tal dança de uma só pessoa. Ela é apresentada por uma mulher, e que mulher! Quando o sol começa a se pôr, aparece um velho resplandecente no seu traje de cor turquesa que deve pesar uns vinte quilos. Com os alto-falantes guinchando como um pintinho que detectou um falcão, ele sussurra no microfone de cromo da década de 1930, "E nossa próxima atração vai ser a Dança da Borboleta." Ele se afasta arrastando no chão a bainha dos jeans.
Ao contrário de uma apresentação de bale, na qual o número é anunciado, as cortinas se abrem e os bailarinos aparecem, inseguros, aqui em Puyé, como em outras danças tribais, o anúncio formal da dança pode preceder a aparição da dançarina em desde vinte minutos a uma eternidade. Onde está ela?
O tempo passa. Passa. E passa.
As pessoas sacodem moedas nos bolsos. Chupam os dentes. Os turistas ficam impacientes para ver essa maravilhosa bailarina borboleta.
Inesperadamente, já que todos estão pra lá de entediados, os braços do tocador de tambor começam a fazer soar o sagrado ritmo da borboleta, e os cantores do coro começam a gritar.
Para os turistas, uma borboleta é algo delicado. "Ah, a frágil beleza", sonham eles. Por isso, ficam necessariamente abalados quando surge aos saltos uma velha senhora. E ela é grande, grande mesmo, e velha, muitíssimo velha, como uma mulher que voltou do pó; velha como um rio velho; velha como os pinheiros nos pontos mais altos das montanhas. Um dos seus ombros está nu. Sua manta vermelha e preta, um vestido saco, pula de um lado para o outro com ela dentro. Seu corpo pesado e suas pernas muito finas fazem com que ela lembre uma aranha saltitante envolta numa pamonha.
Ela salta num pé só, e depois no outro. Ela abana seu leque de penas por toda a parte. Ela é A Borboleta que chegou para dar força aos fracos. Ela é o que a maioria considera não ser forte; a velhice, a borboleta, o feminino.
O cabelo da Donzela Borboleta cai até o chão. Ele é denso como dez feixes de milho e é de um cinza de pedra. E ela usa asas de borboleta do tipo que se vê nas crianças que fazem o papel de anjos em peças na escola. Seus quadris são, como duas enormes cestas balouçantes e a parte carnuda do alto das nádegas é larga o suficiente para carregar duas crianças.
Ela salta, salta e salta, não como um coelho, mas em passinhos que ecoam.
— Estou aqui, aqui, aqui...
— Estou aqui, aqui, aqui...
— Acordem. Acordem. Acordem!
Ela abana o leque para cima e para baixo, salpicando a terra e o povo da terra com o espírito polinizador da borboleta. Suas pulseiras de conchas chocalham como cascavéis; suas ligas providas de sinos produzem o som da chuva. Sua silhueta com sua grande barriga e pernas pequenas dança de um lado do círculo para o outro. Seus pés deixam pequenos remoinhos de poeira.
No entanto, alguns turistas olham uns para os outros, perguntando, aos sussurros, se aquilo é a Donzela Borboleta. Eles estão perplexos, alguns até mesmo decepcionados.
É, é apropriado que a Mulher borboleta seja velha e corpulenta, pois ela traz o mundo dos trovões num seio, e o mundo subterrâneo no outro. Suas costas são a curva do planeta Terra com todos os seus frutos, alimentos e animais. Na sua nuca, ela traz o sol nascente e poente. Sua coxa esquerda guarda todos os pinheiros; sua coxa direita, todas as lobas do mundo. Em seu ventre estão todos os bebês que um dia ainda irão nascer.
A Donzela Borboleta é a força feminina fertilizadora. Ao transportar o pólen de um lugar para outro, ela fecunda por cruzamento, da mesma forma que a psique fertiliza a mente com sonhos, da mesma forma que os arquétipos fertilizam o mundo concreto. Ela é o centro. Ela aproxima os opostos ao tirar um pouco daqui e levá-lo para lá. A transformação não é nem um pouco mais complicada do que isso. É essa a sua lição. É assim que a borboleta faz. É assim que a psique atua.
A Mulher borboleta corrige a ideia equivocada de que a transformação é só para os torturados, para os santos, ou apenas para os tremendamente fortes. O Self não precisa mover montanhas para se transformar. Um pouco basta. Um pouco vai longe. Um pouco muda muita coisa. A força fertilizadora substitui a movimentação de montanhas.
A Donzela Borboleta poliniza a terra. É mais fácil do que vocês pensam, diz ela. Ela está usando seu corpo inteiro como uma bênção, esse seu corpo velho, frágil, grande, manchado, de pernas curtas e quase sem pescoço. Essa é a mulher vinculada à sua natureza selvagem, a intérprete da força instintiva, fertilizante, a que conserta, a que recorda e acessa a sabedoria antiga.
A intérprete da dança da borboleta tem de ser velha por representar a psique que é velha. Ela é larga de coxas e ancas por carregar tantas coisas. É permitido que ela toque a todos: meninos, bebês, homens, mulheres, meninas, os idosos, os enfermos. A Mulher borboleta pode tocar qualquer pessoa. É seu o privilégio de tocar a todos, afinal. Esse é o seu poder. Seu corpo é o de La Mariposa, a borboleta.
O corpo é como um planeta. Ele é uma terra por si só. Como qualquer paisagem, ele é vulnerável ao excesso de construções, a ser retalhado em lotes, a se ver isolado, esgotado e alijado do seu poder. A mulher borboleta não será facilmente influenciada por tentativas de urbanização. Para ela, as questões não são de forma, mas de sensação. O seio em todos os seus formatos tem a função de sentir e de amamentar. Ele amamenta? Ele é sensível? Então é um seio bom.
Já os quadris são largos por um motivo. Dentro deles há um berço de marfim acetinado para a nova vida. Os quadris da mulher são estabilizadores para o corpo acima e abaixo deles. Eles são portais, são uma almofada opulenta, suportes para as mãos no amor, lugar para as crianças se esconderem. As pernas foram feitas para nos levar, às vezes para nos empurrar. Elas são as roldanas que nos ajudam a subir; são o anulo, o anel que abraça o amado.
Elas não podem ser criticadas por serem muito isso ou muito aquilo. Elas simplesmente são. No corpo, não existe nada que "devesse ser" de algum jeito. A questão não está no tamanho, no formato ou na idade, nem mesmo no fato de ter tudo aos pares, pois algumas pessoas não têm. A questão está em saber se esse corpo sente, se ele tem um vínculo adequado com o prazer, com o coração, com a psique, com o mundo.
Ele tem alegria, felicidade? Ele consegue ao seu modo se movimentar, dançar, gingar, balançar, investir? É só isso o que importa.
Kommentare